Tem joguinho aí?
Nasci em 11110100110. Os entendedores saberão o ano em decimal. Eram outros tempos, a tecnologia ainda engatinhava, computadores no dia a dia eram considerados ficção cientifica para a maioria das pessoas.
Em 1974, enquanto estagiava na indústria Naval como desenhista técnico calculista, fui designado a um setor que trabalhava basicamente com cálculos dos desenhos e projetos. O menor desses setores tinha em media 15 pranchetas e o maior por volta de 60. Neste setor havia uma maquina que chamávamos de “computador”. Era algo de um tamanho de 60/60/10 cm, sem tela, que gravava pequenos programas em um cartão magnético com capacidade de 80 passos (teclas) e que de longe não dava nem para o começo do trabalho. Depois de poucos dias neste setor, o Engenheiro Espanhol (chefe de outro grupo) que era responsável pelo equipamento me perguntou se eu gostaria de aprender a utilizá-lo. Eu na época ainda estava sob o regime de outro estrangeiro, meu chefe Italiano linha dura de guerra, que me ensinou a fazer tudo à mão, mas eu era um garoto, e um garoto curioso. Também tive receio de recusar, eu acabara de chegar, então com certo receio eu aceitei.
Depois de alguns anos, essa mesma empresa finalmente implantou a tecnologia em um computador IBM (esse sim era um computador), embora seja considerado o vovô dos computadores e ficasse em uma sala com ar refrigerado, que chamávamos de aquário, somente os operadores entravam. Esse computador também chamado de Grande Porte da informática era o responsável por atender toda a empresa, com cerca de 10 mil funcionários. Usávamos uma maquina para perfurar os cartões e entregávamos aos operadores que os inseriam para serem lidos e processados pelo computador de Grande Porte, nos entregando então os relatórios feitos por ele. Depois de pouco tempo, com o sucesso do computador, deixamos de usar os cartões, pois com a evolução da IBM tínhamos agora telas e teclados ligados a maquina, que ainda vivia no aquário refrigerado. Nessa época a IBM era detentora de 80 por cento do mercado mundial de computadores, contra os 15 por cento da VAX e outros cinco do restante das então pequenas empresas relacionadas à informática e os operadores de suporte deste departamento eram vistos como Deuses e ganhavam muito bem.
Em 1983 em plena crise do petróleo, a empresa Naval focada em reduzir custos em alguns setores resolveu investir em um microcomputador PC de 2MHz (não era GHz) que seria usado para cálculos e seria dividido entre 5 colegas de todo o projeto. Fui designado a essa função por estar envolvido na área de cálculos e frequentemente era bombardeado pelo deboche dos colegas operadores e suporte do IBM de Grande Porte quando passavam perto da sala com a seguinte frase: “Tem joguinho aí?”
Eles simplesmente não acreditavam que o pequeno PC pudesse desenvolver o mesmo trabalho do IBM de Grande Porte e respondiam mal a evolução da tecnologia. Grande piada para pessoas que trabalhavam com tecnologia se surpreender que ela evoluísse. Os pequenos PCs eram vistos com desconfiança e desdém. Isso aconteceu de forma sistemática até um tempo depois, quando o pequeno PC evoluiu para 100 MHz. Foi quando os operadores e suportes do IBM começaram a ficar preocupados embora ainda duvidassem que computadores menores pudessem desenvolver trabalhos complexos assim como o IBM de Grande Porte. Por ironia do destino aquele micro que havia começado a utilizar era um PC-IBM XT.
Da minha sala refrigerada (destinada a seres humanos fugindo do calor e não necessariamente computadores) atualmente ainda penso o seguinte: A IBM ainda fabrica computadores? Aqueles operadores e suportes ficaram desempregados ou passaram a trabalhar também com micro PC?
OK.
FELIX MELO.
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